RECORDAÇÃO DE MARIE A., por Bertold Brecht
Naquele dia, num mês azul de setembro
Em silêncio, à sombra da ameixeira
Eu a tomei nos braços, amor pálido e
Quieto, como um sonho formoso.
E acima de nós, no belo céu do verão
Havia uma nuvem, que olhei longamente
Era bem alva, estava bem no alto
Ao olhar novamente, desapareceu.
Desde então muitas luas passaram
Mostrando no céu seu alvor
As ameixeiras foram talvez cortadas
E se me perguntas para onde foi o amor
Respondo: Não consigo lembrar.
Mas sim, sei o que queres dizer
Suas feições, porém, para sempre se foram
Sei apenas que naquele dia a beijei.
E mesmo o beijo, já o teria esquecido
Não fosse aquela nuvem no céu
Dela sei e sempre saberei:
Era bem alva, estava bem no alto.
As ameixeiras talvez ainda cresçam
E ela agora deve ter muitos filhos
Mas aquela nuvem cresceu alguns minutos
Ao olhar novamente, desapareceu.
MARIA SEJAS LOUVADA, por Bertold Brecht
Maria sejas louvada
Como és tão apertada
Uma virgindade assim
É coisa demais p’ra mim.
Seja como for o sémen
Sempre o derramo expedito:
Ao fim dum tempo infinito
Muito antes do amen.
Maria sejas louvada
Tua virgindade encruada
‘Inda me pões fora de mim.
Porque és tão fiel assim?
Por que devo eu, que dialho
Só porque esperaste tanto
Logo eu, o teu encanto
Em vez doutro ter trabalho?
(tradução de Ardilio Correia)
CANÇÃO DO SIM E DO NÃO (Ópera dos 3 Vinténs), por Bertold Brecht
1.
Houve um tempo em que acreditava, quando ainda era inocente,
e o fui já faz tempo igual a você:
quiçá também alguém se chegue a mim
e então tenho que saber o que fazer.
E se tem dinheiro
e se é amável
e seu colarinho está limpo também de segunda a sexta
e se sabe o que merece uma senhora
então direi “Não”.
Há que se manter a cabeça bem alta
e ficar assim como se não se passara nada.
Certo que a lua brilhou toda a noite,
certo que a barca se desatou da margem,
mas nada mais pôde acontecer.
Sim, não se pode entregar-se simplesmente,
sim, há que ser fria e sem coração.
Sim, tantas coisas poderiam acontecer,
ai, a única resposta possível: Não.
2.
O primeiro que veio foi um homem de Kent
que era como um homem deve ser.
O segundo tinha três barcos no porto
e o terceiro estava louco por mim.
E ao possuir dinheiro
e ao ser amável
e ao levar os colarinhos limpos inclusive de segunda a sexta
e ao saber o que merece uma senhora,
lhes disse a todos: “Não”.
Mantive a cabeça bem alta
e fiquei como se não se passara nada.
Certo que a lua brilhou toda a noite,
certo que a barca se desatou da margem,
Sim, não se pode entregar-se simplesmente,
sim, há que ser fria e sem coração.
Sim, tantas coisas poderiam acontecer,
ai, a única resposta possível: Não.
3.
No entanto, um belo dia, e era um dia azul,
chegou um que não me pediu nada
e pendurou seu chapéu num prego de meu quarto
e eu já não sabia o que fazia.
E mesmo sem dinheiro
e ainda que pouco amável
e que seu colarinho não estivesse limpo nem sequer ao domingo
e nem mesmo soubesse o que merece uma senhora,
a ele não disse: “Não”.
Não mantive a cabeça bem alta
e não fiquei como se não se passara nada.
Ai, a lua brilhou toda a noite,
e a barca permaneceu amarrada à margem,
e não podia ser de outra forma!
Sim, não há nada além do que entregar-se simplesmente,
sim, não se pode permanecer fria nem sem coração.
Ai, tiveram que se passar tantas coisas,
sim, não pôde haver nenhum Não.
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