quarta-feira, 6 de julho de 2011

Bar ruim é Lindo, por Antonio Prata

Bar ruim é Lindo, por Antonio Prata

por Casa do Gorgone - Literatura, Musica e Socialismo, domingo, 19 de junho de 2011 às 18:05

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio

ruins.

Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos

julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos.

(Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e

cinquenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por

Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas,

acreditando

resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do

garçom,

com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para

falarmos de literatura.

- Ô Betão, traz mais uma pra gente - eu digo, com os cotovelos apoiados

na

mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa

coisa

linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara

do

Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à

passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos

tradicionais da

nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda,

quando

convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit

gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e

tal,

mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito

bem

diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim.

Tem

que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo

americano

e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta

em

nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio

intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum

outro

meio intelectual, meio de esquerda, frequenta, não nos contemos:

ligamos pra

turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que

aquele

lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo

frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e

universitárias

mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto

frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a

gente

chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem

meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e,

principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz:

eu

gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio

intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos

gostosas e

uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais,

meio

de esquerda, adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar

famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda

antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia

antes,

uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a

gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de

Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre

autêntico,

do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima

de

tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois

tipos: os

que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem

qual é

a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado

para

tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no

cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que

nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos

dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que

não

entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por

umas

de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo

tocando

reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta,

como

já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso

país.

A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente

gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre

alerta,

pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a

difundir o

petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio

intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas,

preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma

coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio

intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais

autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem

mais

assim Câmara Cascudo, saca?.

- Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

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