quarta-feira, 6 de julho de 2011

Antologia Poética de Bertolt Brecht

Antologia Poética de Bertolt Brecht


A Cruz de Giz

Eu sou uma criada. Eu tive um romance

Com um homem que era da SA.

Um dia, antes de ir

Ele me mostrou, sorrindo, como fazem

Para pegar os insatisfeitos.

Com um giz tirado do bolso do casaco

Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.

Ele contou que assim, e vestido à paisana

anda pelas repartições do trabalho

Onde os empregados fazem fila e xingam

E xinga junto com eles, e fazendo isso

Em sinal de aprovação e solidariedade

Dá um tapinha nas costas do homem que xinga

E este, marcado com a cruz branca

ë apanhado pela SA. Nós rimos com isso.

Andei com ele um ano, então descobri

Que ele havia retirado dinheiro

Da minha caderneta de poupança.

Havia dito que a guardaria para mim

Pois os tempos eram incertos.

Quando lhe tomei satisfações, ele jurou

Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso

Pôs a mão em meu ombro para me acalmar.

Eu corri, aterrorizada. Em casa

Olhei minhas costas no espelho, para ver

Se não havia uma cruz branca.

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A Exceção e a Regra

Estranhem o que não for estranho.

Tomem por inexplicável o habitual.

Sintam-se perplexos ante o cotidiano.

Tratem de achar um remédio para o abuso

Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

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A Fumaça

A pequena casa entre árvores no lago.

Do telhado sobe fumaça

Sem ela

Quão tristes seriam

Casa, árvores e lago.

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A Máscara Do Mal

Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa

Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado.

Compreensivo observo

As veias dilatadas da fronte, indicando

Como é cansativo ser mal

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A Minha Mãe

Quando ela acabou, foi colocada na terra

Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...

Ela, leve, não fez pressão sobre a terra

Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!

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Acredite Apenas

Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos

Ouvem!

Também não acredite no que seus olhos vêem e seus

Ouvidos ouvem!

Saiba também que não crer algo significa algo crer!

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As Boas Ações

Esmagar sempre o próximo

não acaba por cansar?

Invejar provoca um esforço

que inchas as veias da fronte.

A mão que se estende naturalmente

dá e recebe com a mesma facilidade.

Mas a mão que agarra com avidez

rapidamente endurece.

Ah! que delicioso é dar!

Ser generoso que bela tentação!

Uma boa palavra brota suavemente

como um suspiro de felicidade!

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Aos que virão depois de nós

I

Eu vivo em tempos sombrios.

Uma linguagem sem malícia é sinal de

estupidez,

uma testa sem rugas é sinal de indiferença.

Aquele que ainda ri é porque ainda não

recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando

falar sobre flores é quase um crime.

Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?

Aquele que cruza tranqüilamente a rua

já está então inacessível aos amigos

que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.

Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço

Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.

Por acaso estou sendo poupado.

(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!

Fica feliz por teres o que tens!

Mas como é que posso comer e beber,

se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?

se o copo de água que eu bebo, faz falta a

quem tem sede?

Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:

Manter-se afastado dos problemas do mundo

e sem medo passar o tempo que se tem para

viver na terra;

Seguir seu caminho sem violência,

pagar o mal com o bem,

não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.

Sabedoria é isso!

Mas eu não consigo agir assim.

É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,

quando a fome reinava.

Eu vim para o convívio dos homens no tempo

da revolta

e me revoltei ao lado deles.

Assim se passou o tempo

que me foi dado viver sobre a terra.

Eu comi o meu pão no meio das batalhas,

deitei-me entre os assassinos para dormir,

Fiz amor sem muita atenção

e não tive paciência com a natureza.

Assim se passou o tempo

que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas

em que nós perecemos, pensem,

quando falarem das nossas fraquezas,

nos tempos sombrios

de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,

mudando mais seguidamente de países que de

sapatos, desesperados!

quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:

o ódio contra a baixeza

também endurece os rostos!

A cólera contra a injustiça

faz a voz ficar rouca!

Infelizmente, nós,

que queríamos preparar o caminho para a

amizade,

não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.

Mas vocês, quando chegar o tempo

em que o homem seja amigo do homem,

pensem em nós

com um pouco de compreensão.

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Com Cuidado Examino

Com cuidado examino

Meu plano: ele é

Grande, ele é

Irrealizável.

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Como Bem Sei

Como bem sei

Os impuros viajam para o inferno

Através do céu inteiro.

São levados em carruagens transparentes:

Isto embaixo de vocês, lhe dizem

É o céu.

Eu sei que lhes dizem isso

Pois imagino

Que justamente entre eles

Há muitos que não o reconheceriam, pois eles

Precisamente

Imaginavam-no mais radiante

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Da Sedução Dos Anjos

Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.

Puxa-o só para dentro de casa e mete-lhe

a língua na boca e os dedos sem frete

Por baixo da saia até se molhar

Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia

E fode-o. Se gemer, algo crispado

Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado

Para que do choque no fim te não caia.

E as asas, rapaz, não lhas amarrotes. Desde que entre o céu e a terra flutue –

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Das Elegias De Buckow

Viesse um vento

Eu poderia alçar vela.

Faltasse vela

Faria uma de pano e pau.

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De Que Serve A Bondade

1

De que serve a bondade

Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados

Aqueles para os quais eles são bons?

Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam? Se os livres têm que viver entre os não-livres?

2

Em vez de serem apenas bons,esforcem-se

Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade

Ou melhor:que a torne supérflua!

Um mau negócio. Torne supérfluo!

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Elogio da Dialética

A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.

Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.

Só a força os garante.

Tudo ficará como está.

Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.

No mercado da exploração se diz em voz alta:

Agora acaba de começar:

E entre os oprimidos muitos dizem:

Não se realizará jamais o que queremos!

O que ainda vive não diga: jamais!

O seguro não é seguro. Como está não ficará.

Quando os dominadores falarem

falarão também os dominados.

Quem se atreve a dizer: jamais?

De quem depende a continuação desse domínio?

De quem depende a sua destruição?

Igualmente de nós.

Os caídos que se levantem!

Os que estão perdidos que lutem!

Quem reconhece a situação como pode calar-se?

Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.

E o "hoje" nascerá do "jamais".

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Elogio do Revolucionário

Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.

Mas a coragem dele aumenta.

Organiza sua luta pelo salário, pelo pão

e pela conquista do poder.

Interroga a propriedade:

De onde vens?

Pergunta a cada idéia:

Serves a quem?

Ali onde todos calam, ele fala

E onde reina a opressão e se acusa o destino,

ele cita os nomes.

À mesa onde ele se senta

se senta a insatisfação.

À comida sabe mal e a sala se torna estreita.

Aonde o vai a revolta

e de onde o expulsam

persiste a agitação.

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Epístola Sobre O Suicídio

Matar-se

É coisa banal.

Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso.

Discutir com um amigo os prós e os contras.

Um certo pathos, que atrai

Deve ser evitado.

Embora isto não precise absolutamente ser um dogma.

Mas melhor me parece, porém

Uma pequena mentira como de costume:

Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor

Ainda:

Sua mulher foi infiel

(Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com

essas coisas

E não é muito impressionante.)

De qualquer modo

Não deve parecer

Que a pessoa dava

Importância demais a si mesmo

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Epitáfio Para Gorki

Aqui jaz

O enviado dos bairros da miséria

O que descreveu os atormentadores do povo

E aqueles que os combateram

O que foi educado nas ruas

O de baixa extração

Que ajudou a abolir o sistema de Alto a Baixo

O mestre do povo

Que aprendeu com o povo.

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Esse Desemprego!

Meus senhores, é mesmo um problema

Esse desemprego!

Com satisfação acolhemos

Toda oportunidade

De discutir a questão.

Quando queiram os senhores! A todo momento!

Pois o desemprego é para o povo

Um enfraquecimento.

Para nós é inexplicável

Tanto desemprego.

Algo realmente lamentável

Que só traz desassossego.

Mas não se deve na verdade

Dizer que é inexplicável

Pois pode ser fatal

Dificilmente nos pode trazer

A confiança das massas

Para nós imprescindível.

É preciso que nos deixem valer

Pois seria mais que temível

Permitir ao caos vencer

Num tempo tão pouco esclarecido!

Algo assim não se pode conceber

Com esse desemprego!

Ou qual a sua opinião?

Só nos pode convir

Esta opinião: o problema

Assim como veio, deve sumir.

Mas a questão é: nosso desemprego

Não será solucionado

Enquanto os senhores não

Ficarem desempregados!

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Eu Sempre Pensei

E eu sempre pensei: as mais simples palavras

Devem bastar.Quando eu disser como e

O coracao de cada um ficara dilacerado.

Que sucumbiras se nao te defenderes

Isso logo veras.

...

Expulso Por Bom Motivo

Eu cresci como filho

De gente abastada. Meus pais

Me colocaram um colarinho, e me educaram

No hábito de ser servido

E me ensinaram a dar ordens. Mas quando

Já crescido, olhei em torno de mim

Não me agradaram as pessoas da minha classe e me juntei

À gente pequena.

Assim

Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe

Suas artes, e ele

Denuncia-os ao inimigo.

Sim, eu conto seus segredos. Fico

Entre o povo e explico

Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois

Estou instruído em seus planos.

O latim de seus clérigos corruptos

Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,

Então

Ele se revela uma farsa. Tomo

A balança da sua justiça e mostro

Os pesos falsos. E os seus informantes relatam

Que me encontro entre os despossuídos, quando

Tramam a revolta.

Eles me advertiram e me tomaram

O que ganhei com meu trabalho. E quando me corrigi

Eles foram me caçar, mas

Em minha casa

Encontraram apenas escritos que expunham

Suas tramas contra o povo. Então

Enviaram uma ordem de prisão

Acusando-me de ter idéias baixas, isto é

As idéias da gente baixa.

Aonde vou sou marcado

Aos olhos dos possuidores.

Mas os despossuídos

Lêem a ordem de prisão

E me oferecem abrigo. Você, dizem

Foi expulso por bom motivo.

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Ferro

No sonho esta noite

Vi um grande temporal.

Ele atingiui os andaimes

Curvou a viga feita

A de ferro.

Mas o que era de madeira

Dobrou-se e ficou.

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Jamais Te Amei Tanto

Jamais te amei tanto, ma soeur

Como ao te deixar naquele pôr do sol

O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur

Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas

No Oeste.

Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur

Eu que brincava ao encontro do destino negro -

Enquanto os rostos atrás de mim lentamente

Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.

Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur

Jamais igual, antes ou depois -

É verdade que me ficaram apenas os pássaros

Que à noite sentem fome no negro céu.

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Lendo Horácio

Mesmo o diluvio

Não durou eternamente.

Veio o momento em que

As águas negras baixaram.

Sim, mas quão poucos

Sobreviveram!

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Louvor ao Estudo

Estuda o elementar: para aqueles

cuja hora chegou

não é nunca demasiado tarde.

Estuda o abc. Não basta, mas

Estuda. Não te canses.

Começa. Tens de saber tudo.

Estás chamado a ser um dirigente.

Freqüente a escola, desamparado!

Persegue o saber, morto de frio!

Empunha o livro, faminto! É uma arma!

Estás chamado á ser um dirigente.

Não temas perguntar, companheiro!

Não te deixes convencer!

Compreende tudo por ti mesmo.

O que não sabes por ti, não o sabes.

Confere a conta. Tens de pagá-la.

Aponta com teu dedo a cada coisa

e pergunta: "Que é isto? e como é?"

Estás chamado a ser um dirigente.

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Na Guerra Muitas Coisas Crescerão

Ficarão maiores As propriedades dos que possuem

E a miséria dos que não possuem

As falas do guia*

E o silêncio dos guiados.

*Führer

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Na Morte De Um Combatente Da Paz

Á memória de Carl von Ossietzky

Aquele que não cedeu

Foi abatido

O que foi abatido

Não cedeu.

A boca do que preveniu

Está cheia de terra.

A aventura sangrenta

Começa.

O túmulo do amigo da paz

É pisoteado por batalhões.

Então a luta foi em vão?

Quando é abatido o que não lutou só

O inimigo

Ainda não venceu.

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Nada É Impossível De Mudar

nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

...

Não Necessito De Pedra Tumular

Não necessito de pedra tumular, mas

Se necessitarem de uma para mim

Gostaria que nela estivesse:

Ele fez sugestões

Nos as aceitamos.

Por tal inscrição

Estaríamos todos honrados.

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No Segundo Ano De Minha Fuga

No segundo ano de minha fuga

Li em um jornal, em língua estrangeira

Que eu havia perdido minha cidadania.

Não fiquei triste nem alegre

Ao ver meu nome entre muitos outros

Bons e maus.

A sina dos que fugiam não me pareceu pior

Do que a sina dos que ficavam.

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O Nascido Depois

Eu confesso: eu

Não tenho esperança.

Os cegos falam de uma saída. Eu

Vejo.

Após os erros terem sido usados

Como última companhia, à nossa frente

Senta-se o Nada.

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O Vosso Tanque General, É Um Carro Forte

Derruba uma floresta esmaga cem

Homens,

Mas tem um defeito

- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general

É poderoso:

Voa mais depressa que a tempestade

E transporta mais carga que um elefante

Mas tem um defeito

- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:

Sabe voar, e sabe matar

Mas tem um defeito

- Sabe pensar

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Os Esperançosos

Pelo que esperam?

Que os surdos se deixem convencer

E que os insaciáveis

Lhes devolvam algo?

Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!

Por amizade

Os tigres convidarão

A lhes arrancarem os dentes!

É por isso que esperam!

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Os que lutam

"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;

Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."

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Os maus e os bons

"Os maus temem tuas garras

Os bons se alegram de tua graca.

Algo assim Gostaria de ouvir

Do meu verso."
...

Para Ler De Manhã E À Noite

Aquele que amo

Disse-me

Que precisa de mim.

Por isso

Cuido de mim

Olho meu caminho

E receio ser morta

Por uma só gota de chuva.

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Perguntas De Um Operário Que Lê.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,

Mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilònia, tantas vezes destruida,

Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas

Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde

Foram os seus pedreiros? A grande Roma

Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem

Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio

Sò tinha palácios

Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida

Na noite em que o mar a engoliu

Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias

Sòzinho?

César venceu os gauleses.

Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha

Chorou. E ninguém mais?

Frederico II ganhou a guerra dos sete anos

Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.

Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.

Quem pagava as despesas?

Tantas histórias

Quantas perguntas

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